Amorim fala que teme retrocessos num novo governo
Nas vésperas da votação do pedido de impeachment de Dilma Roussef, Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores no governo Lula e da Defesa no governo Dilma, diz temer graves retrocessos num novo governo, e aponta elementos de “conspiração” e “maquiavelismo de província” em torno da movimentação pelo fim do mandato da presidente. Tido como um dos mais influentes chanceleres da história recente do país, na carreira diplomática desde 1965, Amorim avalia que as elites se tornaram “intolerantes” com o projeto petista de promover maior igualdade social no país, e se diz temeroso pelo futuro a política externa brasileira num eventual governo chefiado pelo atual vice-presidente Michel Temer. Para ele, haveria um gradual enfraquecimento da posição brasileira no Merconsul e na Unasul, e forte tendência de adoção de posições “subalternas” em relação aos Estados Unidos e à União Europeia, além de retrocessos na áreas social e econômica. Apesar de não esconder divergências com Dilma, sobretudo em relação ao “constrangimento e dificuldades” enfrentadas pelo Itamaraty. Amorim defende a continuidade do governo e classifica o impeachment como “golpe”, além de não ver indícios de crime de responsabilidade por parte do presidente, avaliando as pedaladas fiscais, principal argumento do pedido, como “tecnicalidades”. Em entrevista à BBC Brasil no Rio de Janeiro, o ex-chanceler admitiu que o PT cometeu equívocos no governo e disse que atos de corrupção devem ser punidos, mas apontou que a operação Lava Jato tem usado a prisão preventiva como mecanismo de “tortura” e teceu críticas ao uso das delações premiadas nas investigações.
Como o senhor vê o momento atual do Brasil, e como acredita que os potenciais desfechos da crise política possam impactar o país?
Celso Amorim – E vou completar 74 anos em breve e vivi essa história recente do país. Votei nas eleições diretas em 1960, vi o golpe de Estado, a democratização lenta e gradual, a estabilização econômica, e finalmente estava muito feliz porque achava que pela primeira vez o Brasil estava realmente atacando o problema da desigualdade, que é o pior problema do país. Houve pequenas oscilações, mas o fato é que sempre vi o Brasil melhorando, e agora estou muito preocupado. Há muitos anos eu não vejo o país tão divido, e achava que nunca mais veria uma tentativa de ruptura institucional, porque é de fato uma ruptura, algo muito diferente do impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, porque agora não há uma imputação clara de crime. Há no máximo uma tecnicalidade, e você pode dizer que foi impróprio o u não, mas essa é a razão do pedido de impeachment, embora tentem misturar com outros fatos que na minha opinião, alguns ocorreram e outros não se tem certeza. Mas aqui a suspeita já ganha foro de verdade imediatamente.
De um lado há acusações de “golpe”. Do outro, acusações de corrupção delações premiadas e os indícios da operação Lava Jato, além do escândalo do Petrolão. Como o senhor se posiciona?
Amorim- Eu não estou negando que tenha havido corrupção de muita gente. Mas não houve corrupção do ex-presidente Lula ou da presidenta Dilma. As acusações contra eles são ridículas, e a Dilma nem esta sendo acusada de corrupção propriamente. O processo de impeachment não é sobre isso. Se você está falando do escândalo da Petrobras, de bilhões, o ex-presidente Lula ganhou o que? Uma reforma no banheiro? Um bidê a mais? Num sítio que nem é dele? E é perfeitamente normal que o sítio não seja dele, e que um homem com a trajetória dele tenha um amigo que queira ceder a ele o lugar, mas achar que isso tem a ver com algum vício de licitação no passado e uma visão totalmente absurda. Agora que há corrupção, é claro que há. Eu não posso dizer que é tudo uma grande conspiração porque eu não tenho provas, mas que é muito estranho, é.
Ao que o senhor se refere exatamente como termo “conspiração”?
Amorim – Quando eu digo conspiração, é no sentido de primeiro se achar um culpado e depois procurar o crime. Todo este processo é muito estranho, e se não e uma conspiração, certamente parece uma. Outra coisa que faz parecer uma conspiração é quando você analisa em conjunto tudo o que esta acontecendo. Estão atacando o petróleo, a energia nuclear, as empresas nacionais, o instrumento principal de presença econômica no exterior, que é o BNDS, a liderança do PT. É muita coisa junta para você achar que não tem nada de estranho. É muita ingenuidade achar que essas coisas acontecem por coincidência. Porque o ex-presidente Lula foi detido? Fizeram isso para humilhar o presidente que encarnava as reformas e a autonomia do país, como tentaram humilhar o Getúlio Vargas. Isso não é novo no Brasil. Eu não tenho provas disso, então seria leviano dizer que há uma conspiração, mas que parece, parece. Como houve com Getúlio. O que ficaram das acusações de corrupção contra Getúlio, um nacionalista que defendia os pobres? Um sítio que um filho dele vendeu para um segurança. Talvez uma coisa condenável, que tinha que ser apurada, mas não para derrubar um presidente. Os atos de corrupção têm que ser punidos, mas quando houver um nexo causal comprovado. Não é porque alguém emprestou um sítio para o ex-presidente e reformou o banheiro do sítio que você vai ligar isso a licitações que ocorreram e envolveram bilhões de dólares. É uma coisa que não convence ninguém.
Fonte: BBC, em abril de 2016